Um hospital de Cachoeiro de Itapemirim foi condenado pela Justiça capixaba a indenizar uma senhora vítima de golpe aplicado por um homem que se passou por médico. Ela, que tinha uma enteada internada no centro de saúde, recebeu uma ligação e mensagens por aplicativo informando do suposto agravamento do quadro da paciente, pedindo então que fosse feito um depósito no valor de R$ 1.500 para custear as novas despesas com exames.
Depois de um tempo, a vítima procurou o hospital para saber sobre o procedimento, quando foi informada de que não havia sido solicitado nenhum pagamento em dinheiro. Pelo prejuízo, ela deverá ser ressarcida pelo valor pago, além de indenizada em R$ 3 mil por danos morais pelo desgaste gerado. A decisão foi da Terceira Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Espírito Santo.
Inicialmente, a decisão em 1ª Instância negou o pedido da madrasta da paciente. De acordo com o juiz José Pedro de Souza Netto, divulgada em abril de 2020, o hospital não seria responsável pelos danos sofridos pela vítima do golpe. Confira trecho da sentença:
"No presente caso, restou demonstrado que o golpe sofrido pela Autora não decorreu da ação de empregados do hospital, mas em razão de culpa exclusiva da Requerente, uma porque mesmo tendo conhecimento que a internação era pelo Sistema Único de Saúde e o tratamento era totalmente gratuito, realizou depósito para a conta física de um terceiro, no qual era estranhos aos quadros de funcionários e médicos do Requerido, duas porque o suposto médico era desconhecido por ela, bem como o médico não era nenhuma pessoa que já tinha tido contato durante a internação de sua enteada".
Apesar disso, a vítima recorreu da decisão, dizendo que não praticou ato ilícito. O desembargador Telêmaco Antunes de Abreu Filho, relator do processo, entendeu que a sentença deveria ser revertida, já que é dever do hospital garantir proteção às informações dos pacientes.
“Resta demonstrada a falha de segurança nos procedimentos do demandado, uma vez que o ato criminoso foi praticado com base em informações privilegiadas do prontuário da paciente, considerando que, segundo relata a autora, o suposto médico apresentou informações que correspondiam ao quadro clínico de sua enteada”, diz o voto do desembargador.
O relator, que foi acompanhado pelos demais desembargadores na decisão, também entendeu que a situação vivida pela autora vai muito além do mero aborrecimento, já que ela passou por momentos de apreensão e preocupação, pelo suposto agravamento do quadro clínico da enteada e também ao descobrir que foi vítima de um golpe.
De acordo com o delegado Douglas Vieira, titular da Delegacia Especializada de Crimes de Defraudações e Falsificações (Defa), o golpe do "falso médico" é comum no Brasil, apesar de ter ficado adormecido por um tempo e ter ganhado força com a pandemia.
Segundo a autoridade, os criminosos ligam para as vítimas muitas vezes sem sequer ter tido acesso aos prontuários médicos. "Soube de um caso de um paciente internado com Covid e a esposa acabou sendo vítima do estelionato. Os criminosos descobrem de alguma forma os dados da pessoa, ligam, algumas vezes têm acesso ao prontuário, mas em outras a própria pessoa, sem perceber, vai passando informações. Se há envolvimento de alguém do hospital, não dá para garantir, tem que checar cada caso", iniciou.
Vieira contou que desde que assumiu a delegacia onde atua, há cerca de 10 meses, só teve conhecimento de um golpe semelhante, mas que isso tende a mudar graças a uma mudança na lei, que poderá trazer várias novas investigações destes casos ao Estado.
"O que acontece é que geralmente a conta dos golpistas é de outro Estado, e por isso a investigação ficava por conta de delegacias fora do Espírito Santo. Mas a lei foi recentemente alterada. Se a vítima for daqui, o caso será apurado aqui, independente de para onde o dinheiro foi enviado. Antes o caso não ficava aqui porque a conta do destinatário era de outro lugar. Para ficar mais fácil de entender: se a vítima residia no ES e fazia depósito em conta do Estado do Maranhão, a investigação iria para lá; com a nova lei, o crime será apurado aqui mesmo", esclareceu.
Com a recente mudança legislativa, o crime de estelionato, ao qual o golpe de falso médico se aplica, a pena deixa de ser de 1 a 5 anos e passa a ser de 4 a 8 anos e multa.
"A pena para este crime foi agravada. Assim, passa a ser de reclusão de quatro a oito anos e multa quando a vítima for enganada e fornecer informações por meio de redes sociais. A punição pode aumentar se o crime for realizado por meio de servidor localizado em outro país e pode ser estendida de um terço ao dobro se a vítima for idoso ou vulnerável", afirmou Vieira.
Para evitar se tornar vítima de golpes como o do falso médico, as orientações do delegado são:
"Os hospitais não costumam ligar para pedir valor. O ideal então é ligar para lá e explicar a situação. Só de ligarem já há 99% de chances de ser um golpe. Em casos de saúde a vítima fica muito vulnerável, então deve tentar manter a calma e procurar o próprio hospital. Da mesma forma se disserem que é do plano de saúde, deve-se entrar em contato com a administração do plano, que geralmente cobra valores por boleto", explicou o delegado.
"Quando mandarem o número da conta, o ideal é conferir onde fica a agência. Se ela for de outro Estado, é mais um indício de golpe", continuou Vieira.
"Se a conta enviada para depósito for registrada como pertencente a uma pessoa física, este é mais um indício de golpe. Hospital tem CNPJ", afirmou.
Deve-se ainda pesquisar o nome do médico e checar o registro profissional, inclusive ligando para o CRM se for o caso.
"É preciso ficar atento que o número com DDD 27 não necessariamente indica que o criminoso está no Estado, já que eles podem conseguir clonar números. Então o aparelho lê 27 mas não necessariamente é daqui", informou.
O delegado Douglas Vieira também orientou que os idosos compõem geralmente um grupo que cai mais em golpes. "Os criminosos os procuram mais, ainda mais na pandemia. Justamente porque eles tendem a falar mais, ficam mais vulneráveis. Assim, os próprios familiares devem orientá-los a não passarem informações e, se for o caso, avisar das ligações para parentes próximos para que tomem providências", concluiu.
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