> >
PM criou grupo para combinar versões e mentir após matar músico em Vitória

PM criou grupo para combinar versões e mentir após matar músico em Vitória

Investigações mostraram que músico estava em uma distância que não ofereceria risco de tirar a arma do policial militar, diferentemente da tese apresentada pelos réus

Publicado em 19 de junho de 2023 às 13:10

Ícone - Tempo de Leitura 6min de leitura
À esquerda, o policial militar Lucas Torrezani de Oliveira; à direita, o músico Guilherme Rocha
À esquerda, o policial militar Lucas Torrezani de Oliveira; à direita, o músico Guilherme Rocha. (Reprodução | Montagem A Gazeta)

Após matar o músico Guilherme Rocha, de 37 anos, em Jardim CamburiVitória, o soldado da Polícia Militar Lucas Torrezani de Oliveira, de 28 anos, criou um grupo em uma rede social para combinar o depoimento dado à Polícia Civil com o colega Jordan Ribeiro de Oliveira e uma terceira testemunha. 

A informação sobre o grupo criado por Lucas foi divulgada pela Polícia Civil na manhã desta segunda-feira (19), durante coletiva de imprensa sobre a conclusão do Inquérito Policial. 

Aspas de citação

Eles tinham dois grupos, o primeiro grupo eles deram o nome de 'Cadê Mateus?'. Esse grupo servia para marcar aqueles algazarras que eram feitas no no prédio, encontros regrados à bebida e a drogas

Marcelo Cavalcanti
Titular da Divisão de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP) de Vitória
Aspas de citação

"A partir daí, após a versão mentirosa que ele (Lucas) apresentou na delegacia, sentiu a necessidade de continuar mantendo aquela mentira", prosseguiu o delegado. Foi aí que o policial militar criou um segundo grupo intitulado "AA"

"Constam nos altos e a gente vê que só reforça que a versão inicialmente era mentirosa, quando a gente descobre que eles tentam inventar fatos para tentar fugir da culpa", declarou o delegado. 

Versão combinada x conclusão da perícia

A versão combinada pelos investigados dava conta de que o disparo foi efetuado, pois o músico teria tentado pegar a arma do policial. Essa versão, no entanto, não se sustenta, segundo o delegado Marcelo Cavalcanti.

"Os autos revelam que em nenhum momento o Lucas atuou em legítima defesa e, sim, ele executou a vítima com requintes de crueldade", pontuou. 

"A posição da vítima em relação ao atirador indicam um baixo risco para o atirador. Ele não apresentava risco iminente de tomar a arma do atirador", explicou o perito criminal Vinícius Médici

"Quando a vítima leva as mãos para a arma, não dá para afirmar se ela queria tomá-la, se foi um ato de raiva, ou se estava desesperadamente tentando evitar que as agressões continuassem, a gente vê o atirador saindo do quadro com a arma abaixada. Ele gira o corpo, afastando a arma da vítima", prosseguiu.

"Nesse momento, ocorre o empurrão e, logo em seguida, você vê a sombra, que a gente acredita que seja a arma. Ou seja, durante o empurrão, o atirador com arma abaixada não conseguiria efetuar o disparo com a distância que a gente observou do ponto de entrada do projétil e a posição da vítima na cena", continou.

"A partir do momento que Guilherme começa sair um pouco da situação passiva, quando é agredido, Jordan parte para cima dele e efetua um empurrão. Esse empurrão acaba mitigando a possibilidade de defesa da vítima, afasta, desequilibra a vítima. Acaba aparecendo um espaço na janela temporal aí que permite que o atirador ele efetue o disparo", completou ao explicar que o tiro foi efetuado no momento em que a vítima perdeu o equilíbrio após o empurrão. 

Justiça aceita denúncia e PM virá réu 

A Justiça aceitou a denúncia contra o soldado Lucas Torrezani de Oliveira, acusado de matar o músico Guilherme Rocha, em abril deste ano. Eles moravam em um mesmo condomínio de Jardim Camburi, em Vitória. O policial deu um tiro no ombro de Guilherme depois que o vizinho apareceu na área comum do imóvel para reclamar do barulho que o PM e alguns convidados faziam durante a madrugada. 

Além do militar, um amigo dele, que estava na festa, também virou réu. Segundo a decisão da juíza Lívia Regina Savergnini Bissoli Lage, da 1ª Vara Criminal de Vitória, Jordan Ribeiro de Oliveira teria empurrado o músico durante a discussão, o que fez com que ele perdesse o equilíbrio e caísse. Já no chão, Guilherme foi baleado.

Também foi pedida a prisão preventiva do PM Lucas. Ele já está detido desde o dia seguinte do crime no Quartel da Polícia Militar, onde deve permanecer preso. A juíza entendeu que há indícios suficientes de que ele foi responsável pela morte do músico. Ela destacou ainda que os parentes do militar, que são testemunhas do processo, têm medo de falar sobre o caso, o que também justificaria a manutenção da prisão.

Lucas responderá por homicídio duplamente qualificado por motivo fútil e recurso que dificultou a defesa da vítima combinado ao abuso de autoridade. Jordan responderá por participação e seguirá em liberdade por enquanto. 

O que diz a defesa do PM

Procurada para se posicionar sobre o assunto, a defesa de Lucas Torrezani de Oliveira disse, em nota enviada no final da tarde de sábado (17), que ainda não foi intimada da decisão judicial. "Entretanto, restou provado ao longo do Inquérito Policial que o aludido não colocará em risco o andamento do processo, tendo em vista que no atual cenário não se encontram presentes os requisitos da prisão preventiva insculpidos no artigo 312 do Código de Processo Penal".

Ainda conforme o posicionamento da defesa, "tal decisão será combatida no intuito de demonstrar que não há fundamentos para se sustentar uma segregação prisional, e espera-se que o Judiciário faça essa reparação. Cabe ressaltar que a presente ação se encontra na fase embrionária e no momento oportuno será esclarecida a realidade dos fatos. Todas as medidas serão tomadas para esclarecimento da verdade", finalizou.

Sobre o crime

Segundo os autos do processo, Guilherme morava no térreo do prédio, perto da área de lazer onde Lucas costumava fazer festas com os amigos que duravam até tarde.

"A proximidade do apartamento deles fazia com que o barulho das músicas e conversas atrapalhassem as noites de sono da família, tanto que a vítima Guilherme, em ocasiões pretéritas, chegou a conversar com o denunciado Lucas, solicitando-lhe que encerrasse as confraternizações, o que não foi atendido, de modo que a vítima acabou registrando a ocorrência no livro do condomínio", é relatado no processo.

Lucas, Jordan e um terceiro homem chegaram por volta das 22h30 na área de festa no dia do crime, onde começaram a beber e conversar em voz alta. Às 2h22, Guilherme foi ao local e pediu que eles baixassem o tom das conversas. Os três saíram do local, mas retornaram às 2h37. Às 2h59, Guilherme volta até a porta do local, olha e retorna para o apartamento.

Às 3h02, Guilherme voltou ao local para pedir que eles reduzissem o barulho. Nesse momento, Lucas sacou a arma de fogo que portava e intimidou a vítima dizendo “eu sou PM, o que você vai fazer?”, diz a denúncia. Jordan se aproximou em seguida. 

Em seguida, Lucas, "com a arma de fogo em punho na mão direita e uma bebida alcoólica na mão esquerda, se aproximou da vítima e projetou o cano da arma por duas vezes em direção ao tórax dela, e em seguida bateu o cano da arma no rosto de Guilherme, que tentou se defender avançando em direção à arma que o denunciado portava, momento em que foi empurrado pelo acusado Jordan, perdendo o equilíbrio. Diante disso, aproveitando-se da condição de vulnerabilidade da vítima, o acusado Lucas efetuou um disparo de arma de fogo contra ela, provocando-lhe as lesões que foram a causa suficiente para sua morte".

Ainda ferido, Guiherme tentou fugir do local, mas caiu no chão "enquanto o denunciado Lucas terminou de ingerir sua bebida alcoólica acompanhando a cena".

Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rapido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem

Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta

A Gazeta integra o

The Trust Project
Saiba mais