Quase dois anos após o crime, o policial militar Alex Lopes Neves foi condenado por ter atirado no universitário Caio Rodriguez de Oliveira, de 24 anos à época, na Rodovia do Sol, em Vila Velha. Por ter sido baleado nas costas, a vítima ficou paraplégica. A sessão do Tribunal do Júri foi realizada nessa segunda-feira (25).
De acordo com a sentença proferida pelo magistrado Douglas Demoner Figueiredo, o réu foi condenado a 12 anos e 8 meses de prisão, com regime inicial fechado, por homicídio tentado qualificado, em razão da motivação fútil e recurso que dificultou a defesa da vítima. Além disso, Alex teve a prisão preventiva mantida e não poderá recorrer em liberdade.
Nos termos da sentença, o juiz também determinou a perda do cargo na Polícia Militar. "Considerando se tratar de vítima civil atingida por um policial militar em folga e com a arma da corporação, determino a perda do cargo (graduação) de soldado da Polícia Militar do Estado do Espírito Santo (PMES), já que o réu ocupa cargo público; considerando a Apelação Criminal nº 0005095-10.2000.8.08.0035. Trata-se agora de condenado por crime incompatível com a responsabilidade e o grau de compromisso com o bem comum exigidos de um Policial Militar desse Estado", versou a decisão.
A mãe do Caio, a publicitária Flávia Veiga, contou que o desfecho do julgamento ocorrido nesta segunda-feira (25) foi muito importante e que, embora não devolva ao filho a capacidade de andar, poderá servir de exemplo para outros casos, para que todos saibam que a justiça existe.
Retornando às memórias do ocorrido, ela contou o que houve sob a ótica de uma mãe. "Era um sábado à tarde, eu estava em um café na Praia do Canto com amigos e meu telefone tocou. Escutei o Caio dizendo que tinha levado um tiro e que iria morrer, primeiro pensei que era brincadeira e perguntei 'como assim?'. Ele disse que estava na Ponta da Fruta e eu corri para lá, foram os 20 minutos mais longos da minha vida, rezei muito, não sabia se o encontraria morto ou vivo", declarou.
Quando ela chegou ao local, o filho estava sendo socorrido pela ambulância. Ela então se dirigiu ao hospital, onde foram realizados exames. "O médico disse que ele tinha ficado paraplégico. Eu caí no chão e comecei a chorar. Perguntei se tinha chance de ele voltar a andar e o médico disse que menos de 1%. De lá para cá, foram momentos muito difíceis, desafiadores. Caio praticava muito esporte, futebol, skate, surf, e de repente se viu paralisado, dependendo de todo mundo", continuou.
Flávia Veiga contou à reportagem que, no primeiro momento, Caio dizia que queria morrer, mas, com o passar do tempo, ele foi aceitando a situação. "Ele foi fazendo fisioterapia, encontrou a natação, que foi transformadora e deu sensação de liberdade a ele, uma sensação de autonomia, que havia sido retirada. Mas os desafios são inúmeros, porque o mundo não foi feito para quem tem deficiência. Todos os lugares que a gente vai, as casas, as portas, é tudo muito difícil. É difícil para ele se encaixar, se enxergar, tudo isso foi um divisor de águas na vida dele e nas nossas", desabafou.
Com esta etapa do processo criminal vencida, a mãe de Caio Rodriguez diz que a segunda fase é o processo de indenização contra o Estado, que, segundo ela, "é o responsável pelo policial desequilibrado, que atirou com uma arma da polícia".
"Temos essa nova batalha. Por mais que hoje a gente fale de acessibilidade, é difícil para ele encontrar emprego, por exemplo. Ele não quis voltar a estudar, até tentou pela internet, mas às vezes fica um pouco constrangido, tem receio do olhar das pessoas, ele não quer ser visto com pena. A gente vem trabalhando isso, ajudando ele a ressignificar e inspirar outras pessoas", disse a publicitária.
Hoje com 26 anos, Caio diz que ainda será um atleta paralímpico de natação e pretende também começar a remar. A mãe torce para que ele se encontre nisso e que o filho possa ter a melhor vida possível dentro das condições que ele tem.
Para ela, fica a esperança na medicina e a fé. "Tem muita coisa acontecendo e espero que ele volte um dia a andar. Se não puder, que tenha a melhor vida possível", finalizou.
Acionada a defesa do Réu, hoje desempenhada pelo advogado e defensor público aposentado Marcos Antônio de Oliveira Farizel, foi informado que já foi tentado um recurso de apelação, uma vez que acredita que a pena imposta, de quase 13 anos de reclusão, é muito alta.
"A defesa já interpôs um recurso de apelação, pedindo por um novo júri e nova dosimetria da pena. No plenário do júri, sustentamos a tese da desclassificação para lesões corporais de natureza grave. Entendemos que em relação à pena, ela não foi baseada no mínimo legal. Foi exacerbada pelo juízo, que elevou a pena base", disse.
Também demandada pela reportagem, a Polícia Militar do Espírito Santo informou que Alex Neves está recolhido no presídio do Quartel do Comando Geral e que ele responde a um procedimento administrativo demissionário que está em andamento na Corregedoria.
Em depoimento, a vítima contou à Polícia Civil, em 2019, que saiu da Praia da Costa, onde mora, dirigindo um Volkswagen Voyage no dia 30 de março daquele ano. No veículo, estavam o jovem e o cachorro dele. O universitário seguia para a casa de um amigo no bairro Ponta da Fruta, no mesmo município. Ele contou, ainda, que parou no semáforo. Neste momento, um homem emparelhou uma moto vermelha com o carro dele e, sem falar nada, já apontou uma arma. O jovem informou que ficou assustado e acelerou com o carro. Nisso, o homem atirou.
O tiro passou pela porta do veículo e atingiu as costas da vítima. O rapaz perdeu o controle da direção e foi parar dentro de um matagal no acostamento da pista, às margens da Rodovia do Sol. O autor do tiro fugiu do local. Até então, a polícia e a vítima não sabiam que se tratava de um PM. A Polícia Civil só descobriu porque analisou imagens das câmeras do sistema de videomonitoramento, que fica na Rodovia do Sol.
Na época, o titular da Delegacia Especializada de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP), Alan de Andrade, informou que, de acordo com o depoimento do PM Alex Lopes Neves, tudo começou quando o universitário deu uma fechada na moto em que o policial pilotava.
Depois do disparo, Alex Lopes foi para a casa de familiares e lá ficou. Quando retornou para o Batalhão da PM, no dia 3 de abril de 2019, foi dada a voz de prisão ao militar pelos próprios policiais da Corregedoria da corporação.
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