Ainda não há uma definição sobre a integração de comarcas no Espírito Santo, que pode levar ao fechamento de fóruns em 27 cidades do Estado, mas foi dado um passo importante rumo a um consenso para a questão, que se arrasta desde janeiro de 2020. A ministra relatora do caso no Conselho Nacional de Justiça (CNJ), Maria Thereza de Assis Moura, propôs um novo formato, "menos abrupto", para a junção de comarcas. A nova ideia é que a integração ocorra de maneira gradual e o processo dure três anos, afetando 11 comarcas no primeiro ano e as 16 restantes divididas entre os dois anos seguintes.
A sugestão, que ganhou os votos favoráveis de outros cinco conselheiros, é de que as 11 primeiras comarcas a serem fechadas sejam aquelas que ofereçam maior redução de gastos, que estejam sem juízes titulares e que sejam mais próximas das comarcas às quais devem se unir.
Outra mudança na resolução do Tribunal de Justiça do Espírito Santo (TJES) é que as cidades que ficarem sem fórum mantenham ao menos um ponto de atendimento físico, com representante do Judiciário no local. As medidas, completam Maria Thereza de Assis Moura, devem passar por uma reavaliação ano a ano.
A corregedora, acrescentando esses termos, seguiu o parecer da relatora que recebeu o pedido feito pela seccional do Espírito Santo da Ordem dos Advogados do Brasil – seccional Espírito Santo (OAB-ES) para suspender o processo de integração das comarcas. A relatora, conselheira Ivana Farina Navarrete Pena, foi favorável a derrubar a liminar (decisão provisória) que suspendia o processo, mantendo a decisão inicial do TJES.
A previsão é que o tema volte ao plenário do CNJ no próximo dia 17. Isso porque o conselheiro Luiz Fernando Bandeira de Mello pediu vista para analisar melhor a proposta, o que leva o tema a ser debatido na próxima sessão ordinária do CNJ. Já anteciparam seus votos os conselheiros Emmanoel Pereira, Luiz Fernando Keppen, Rubens Canuto e Mário Guerreiro, além de Ivana e Maria Thereza. Até agora, há consenso em relação à proposta da corregedora.
O novo formato agradou o presidente da OAB-ES, José Carlos Rizk Filho. Ele diz que a Ordem foi parcialmente atendida e que uma medida mais suave é importante para não deixar a população de cidades no interior desguarnecida.
"O Tribunal não pode tocar esse projeto da forma como estava pensando, com a extinção de 27 fóruns numa só pancada. Esse processo terá que ser bem mais estudado, com avaliação anual sobre o impacto da medida e sua real necessidade. O Judiciário não pode se afastar do cidadão sem antes reavaliar essa questão e buscar outras formas de economia", afirmou, em nota.
O presidente do Tribunal de Justiça do Espírito Santo, desembargador Ronaldo Gonçalves de Sousa, disse que o novo entendimento fica de bom tamanho para o Judiciário capixaba, ainda que não seja o ideal. O gestor ainda pediu aos conselheiros que não sejam feitos novos pedidos de vista, para que ele consiga implementar as mudanças até dezembro deste ano, quando termina a atual gestão.
"Aguardo um desfecho há um ano e meio e tenho como objetivo justamente racionalizar a força de trabalho e permitir novos investimentos. Estamos praticamente parados na dependência de um julgamento positivo desta questão. O voto da conselheira corregedora se adequa perfeitamente. Não é o ideal para nós, mas nós aceitamos e cremos que vamos ter um avanço", disse o presidente do TJES, durante a sessão do CNJ.
A integração de 27 comarcas no Espírito Santo foi aprovada em maio de 2020 pelo Tribunal de Justiça do Espírito Santo. A decisão segue uma recomendação do CNJ para reduzir gastos e manter a Corte em equilíbrio fiscal.
No entanto, a medida adotada pelo Judiciário provocou reações na sociedade civil. Prefeitos das cidades onde os fóruns vão ser fechados, deputados e a OAB-ES manifestaram-se contra a decisão.
Alegando erros nos estudos que embasaram a integração de comarcas e prejuízos à população, a Ordem acionou o CNJ pedindo a suspensão das resoluções do TJES que tratam do tema. O pedido foi atendido em junho de 2020, quando o CNJ concedeu uma medida liminar. Desde então, a unificação de 27 comarcas está suspensa provisoriamente, até que o julgamento do mérito da matéria seja concluído.
A relatora do procedimento, conselheira Ivana Farina, foi a primeira a votar. Ela foi favorável à integração de comarcas e justificou que não há ilegalidade na medida adotada pelo Tribunal. No ano passado, Farina foi a responsável pela decisão que suspendeu a medida do TJES. Ela alegou que, na época, não teve acesso aos estudos realizados pela Corte.
A integração de comarcas somente pode ser adotada pela Corte graças à Assembleia Legislativa que, em agosto de 2014, aprovou um projeto de lei complementar apresentado pelo então presidente do Tribunal de Justiça, o desembargador Sergio Bizzotto, para reestruturar o Poder Judiciário.
O projeto previa a possibilidade de unificação de duas ou mais comarcas, para atender "aos objetivos de otimização dos gastos, aprimoramento da gestão e incremento de produtividade de juízes".
Na tentativa de reverter essa situação, e pressionados por prefeitos, deputados estaduais passaram a atuar de forma mais incisiva no assunto. Nos bastidores, a movimentação foi vista como articulação de olho nas eleições de 2022, já que muitos parlamentares possuem bases eleitorais no interior, em cidades que vão ser afetadas pela extinção de fóruns.
No dia 12 de maio, o deputado estadual Theodorico Ferraço (DEM) apresentou um projeto de decreto legislativo suspendendo as resoluções do Tribunal de Justiça.
A proposta foi protocolada no Legislativo dias depois de o Conselho Nacional de Justiça retomar o julgamento das comarcas e acompanhou uma série de manifestações de outros parlamentares, que passaram a agir contra a extinção de fóruns apenas neste ano.
A medida foi votada em plenário na última segunda-feira (24) e foi aprovada. Em uma sessão conturbada, o voto do relator do projeto da Comissão de Constituição e Justiça, deputado Marcelo Santos (Podemos), deixou os colegas confusos.
Marcelo afirmou que o decreto era inconstitucional, já que a lei não prevê que o Legislativo possa suspender uma decisão do Judiciário por iniciativa própria. Apesar disso, o parlamentar deu parecer pela constitucionalidade, alegando ser uma decisão política.
Membros da Comissão de Justiça chegaram a pedir um parecer da Procuradoria-Geral da Casa para saber se o voto de Marcelo era válido, já que apresentava contradições. A solução encontrada foi não anexar o relatório apresentado pelo relator e considerar apenas o parecer oral. Assim, o projeto tramitou e pôde ser aprovado.
O deputado Bruno Lamas (PSB) foi o único a votar contra. Na ocasião, ele alertou sobre a inconstitucionalidade do decreto e disse que seria derrubado na Justiça. E foi isso mesmo que aconteceu.
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