A indicação do advogado-geral da União, André Mendonça, por Jair Bolsonaro (sem partido) ao Supremo Tribunal Federal (STF), publicada nesta terça-feira (13), é vista com preocupação por quem acompanha a Corte. Especialistas na área temem que o escolhido pelo presidente interprete os processos e tome decisões no Tribunal seguindo convicções religiosas e não de forma técnica. Mendonça ainda terá de passar pelo Senado para que seja confirmado no posto.
O nome de André Mendonça foi publicado na edição do Diário Oficial da União e cumpriu uma antiga promessa do presidente. Em 2019, Bolsonaro afirmou que indicaria um ministro “terrivelmente evangélico” para ocupar uma vaga no STF. Mendonça é pastor na Igreja Presbiteriana Esperança, em Brasília.
Na noite desta segunda-feira (12), ao encerrar uma visita ao presidente do STF, Luiz Fux, Bolsonaro confirmou que indicaria Mendonça e disse que só fez um pedido ao candidato: que ao menos uma vez por semana inicie uma sessão do STF com uma oração.
“Ele é sim extremamente evangélico, é pastor evangélico. Já falei que só faço um pedido para ele que uma vez por semana ele comece a sessão com oração. Isso está fechado. Independentemente do meu pedido, tenho certeza que os demais dez ministros do Supremo, caso ele seja aprovado no Senado, não vão se opor a isso. Muitos, pelo contrário, vão sentir a alma bem mais leve para fazer seu julgamento”, afirmou o presidente.
Nos bastidores, a indicação do presidente é tratada como um aceno de Bolsonaro ao eleitorado evangélico, no momento em que ele vê parte desse grupo migrar para o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). A avaliação é que o movimento pode fortalecer a ligação do presidente com grupos religiosos, importantes no tabuleiro eleitoral de 2022.
A indicação de um ministro com esse perfil desperta preocupação no meio jurídico. A possibilidade de Mendonça se pautar por suas convicções religiosas é levantada por especialistas na área.
Doutor em Direito e professor titular da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), David Francisco Lopes Gomes questionou as características que levaram o presidente a indicar Mendonça para o posto. Na avaliação do especialista em Direito Constitucional, um ministro do STF deve ser indicado estritamente pela trajetória e pelas características técnicas.
O jurista avaliou que Mendonça possui um bom currículo na área, mas considera que Bolsonaro não observou esse quesito ao optar pelo AGU. “O grande problema é que o presidente parece ter usado características pessoais ou religiosas na escolha. Isso pode ser um problema, já que numa democracia plural a Constituição deve ser interpretada de maneira laica", afirmou Gomes.
A opinião é compartilhada por José Eduardo Faria, um dos precursores da Sociologia do Direito no Brasil e professor titular da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP). Ele avalia que, se aceito no STF, Mendonça pode ser fiel ao presidente e às pautas religiosas, em detrimento das questões técnicas e da Constituição.
Faria considera como preocupante o perfil de Mendonça e destacou que frequentemente ele mistura questões jurídicas com a religião e já chegou a usar trechos da Bíblia em processos judiciais. O especialista ainda afirmou que teme que o debate na Corte fique empobrecido com o aumento de questões religiosas. “A escolha de Bolsonaro não é boa. Não acredito que ele é um ministro que está a altura do STF”, afirmou o jurista.
Além das questões religiosas, Faria reforçou um temor de que Mendonca seja um defensor dos interesses do governo Bolsonaro no Congresso. O professor lembrou que quando Mendonça estava no comando do Ministério da Justiça se envolveu em polêmicas ao utilizar a Polícia Federal para perseguir opositores do governo, por meio da abertura de inquéritos com base na Lei de Segurança Nacional. Até o momento, todas as investigações abertas pela PF a pedido de Mendonça contra críticos do presidente foram arquivadas.
Na primeira manifestação pública após a confirmação de seu nome, André Mendonça publicou nas redes sociais uma mensagem em que agradece a Deus e aos líderes evangélicos. “Com a submissão de meu nome ao Senado Federal, agradeço a Deus pela vida e por essa possibilidade de servir meu país; à minha família, pelo amor recíproco; ao presidente Jair Bolsonaro, pela confiança; aos líderes evangélicos, parlamentares, amigos e todos que têm me apoiado”, disse.
Na publicação, Mendonça reafirmou a defesa da Constituição e do Estado Democrático de Direito. "Coloco-me à disposição do Senado Federal. De forma respeitosa, buscarei contato com todos os membros, que têm a elevada missão de avaliar meu nome. Por fim, ao povo brasileiro, reafirmo meu compromisso com a Constituição e o Estado Democrático de Direito. Deus abençoe nosso país!", escreveu o indicado.
Pós-graduado em direito pela Universidade de Brasília (UnB) e pastor na Igreja Presbiteriana Esperança, na capital federal, Mendonça é doutor em Estado de Direito e Governança Global e mestre em Estratégias Anticorrupção e Políticas de Integridade pela Universidade de Salamanca, na Espanha. Ele integra a AGU desde 2000, quando encerrou sua atividade como advogado concursado da Petrobras (1997-2000).
Chegou ao governo pelas mãos do hoje ministro do Tribunal de Contas da União (TCU) Jorge de Oliveira, amigo da família Bolsonaro, e do ministro da Controladoria-Geral da União (CGU), Wagner Rosário, com o apoio da bancada evangélica. No governo Bolsonaro desde o primeiro dia, foi o responsável por indicar o atual ministro da Educação, Milton Ribeiro, também pastor presbiteriano.
Mendonça deixou o comando da Advocacia-Geral da União em abril de 2020 para assumir a vaga deixada pelo ex-juiz Sergio Moro no Ministério da Justiça.
"Temos aqui um gigante do Vale do Ribeira. Esse pequeno grande homem, de um cérebro, de uma mente invejável. Muito obrigado por existir, meu prezado, depois da Damares [Alves, ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos], terrivelmente evangélico", disse Bolsonaro na posse de Mendonça como ministro da Justiça, em 29 de abril do ano passado.
André Mendonça ficou no posto até março deste ano, quando foi substituído por Anderson Torres e voltou ao cargo de AGU.
Para assumir o cargo no STF, Mendonça ainda vai ter que se submeter a uma sabatina no Senado Federal e sua indicação vai ser votada no plenário. Ele precisará da maioria (41) dos votos dos 81 senadores para se tornar apto a ocupar a cadeira de ministro da Suprema Corte. Desde a Constituição de 1988, nenhum nome indicado pela Presidência da República chegou a ser reprovado pelo Senado.
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