A integração de comarcas no Espírito Santo, que pode levar ao fechamento de fóruns em 27 cidades, continua sem desfecho. A medida, determinada em 2020 pelo Tribunal de Justiça (TJES) para racionalizar recursos e, assim, economizar, depende do aval do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). O julgamento do caso começou em junho do ano passado, já tem um voto para autorizar a integração, e seria retomado nesta terça-feira (01), mas foi adiado por um pedido de vista (mais tempo para analisar) da corregedora nacional de Justiça, Maria Thereza de Assis Moura.
Em tese, o pedido da corregedora tem validade até a próxima sessão, daqui a 15 dias, quando deve ser devolvido ao plenário. Isso não significa que o caso será, necessariamente, analisado após essa quinzena, já que depende da decisão do presidente do CNJ, o também presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) Luiz Fux, de colocar em pauta a integração de comarcas no Estado.
Até agora, apenas a relatora do caso, a conselheira Ivana Farina Navarrete Pena, posicionou-se sobre o tema. No voto, ela defendeu a manutenção da decisão do TJES, ou seja, a favor da integração.
A relatora, na sessão desta terça-feira, reconheceu a "complexidade" do processo e julgou "pertinente" o pedido de vista da ministra Maria Thereza de Assis Moura.
"Como, entre as diversas questões abordadas (no processo), existe a de uma recomendação da Corregedoria Nacional feita ao Tribunal de Justiça do Espírito Santo (TJES), eu entendo absolutamente pertinente o pedido de vista feito pela ministra Maria Thereza de Assis Moura. Na qualidade de relatora, mas sabendo da complexidade que o caso envolve, eu, em deferência à corregedora, aguardarei a manifestação dela", disse a relatora.
A integração de comarcas tem gerado certo atrito entre o Poder Legislativo e o Poder Judiciário no Estado. A Assembleia Legislativa aprovou um decreto legislativo, no último dia 24 de maio, que suspende a medida do Tribunal de Justiça. Parlamentares admitiram a inconstitucionalidade, em um relatório inicial, mas votaram em um relatório alternativo para aprovar a suspensão do ato do Judiciário.
Três dias depois, o Tribunal de Justiça declarou inconstitucional o decreto e fez críticas à Assembleia Legislativa. O desembargador Ney Batista Coutinho, por exemplo, citou interesses políticos em torno da discussão e defendeu a autonomia do Judiciário. Parlamentares – entre eles o autor do decreto legislativo, o deputado estadual Theodorico Ferraço (DEM) – defenderam que a Casa recorra contra a decisão.
Procurada nesta terça-feira, a assessoria da presidência da Assembleia informou que o Legislativo foi notificado e que a procuradoria está analisando a decisão.
O presidente da Ordem dos Advogados do Brasil – seccional Espírito Santo (OAB-ES), José Carlos Rizk Filho, diz estar confiante em uma decisão do CNJ favorável à suspensão da integração das 27 comarcas. Para ele, uma resolução, de autoria da ministra corregedora Maria Thereza de Assis Moura, sobre a digitalização do atendimento do Judiciário, pode impactar o posicionamento dos membros do Conselho e tornar mais restrito o fechamento completo de comarcas.
"Na sessão de hoje foi aprovado um ato normativo, que acredito que terá influência positiva para a gente. A corregedora que propôs a resolução pediu vista exatamente para apresentar o voto com a possibilidade da relatora Ivana rever o voto dela. Estamos muito esperançosos. O ato deve mudar o posicionamento do CNJ em relação ao fechamento completo de fóruns", analisou.
A integração de 27 comarcas no Espírito Santo foi aprovada em maio de 2020 pelo Tribunal de Justiça do Espírito Santo. A decisão segue uma recomendação do CNJ para reduzir gastos e manter a Corte no equilíbrio fiscal.
No entanto, a medida adotada pelo Judiciário provocou reações na sociedade civil. Prefeitos das cidades onde os fóruns serão extintos, deputados e a OAB-ES se manifestaram contra a decisão.
Alegando erros nos estudos que embasaram a integração de comarcas e prejuízos à população, a Ordem entrou uma ação no CNJ pedindo a suspensão da decisão do TJES. O pedido foi atendido em junho de 2020, quando o CNJ concedeu uma medida liminar. Desde então, a unificação de 27 comarcas está suspensa provisoriamente no Estado, até que o julgamento do mérito da matéria seja retomado.
Até o momento, apenas a relatora do procedimento, conselheira Ivana Farina, votou. Ela foi favorável à integração de comarcas e justificou que não há ilegalidade na medida adotada pelo tribunal. No ano passado, a procuradora de Justiça foi a responsável pela decisão que suspendeu a medida do TJES. Ela alegou que, na época, não teve acesso aos estudos realizados pela Corte.
A integração de comarcas só pode ser adotada pela Corte graças à Assembleia Legislativa que, em agosto de 2014, aprovou um projeto de lei complementar apresentado pelo então presidente do Tribunal de Justiça, o desembargador Sergio Bizzotto, para reestruturar o Poder Judiciário.
O projeto previa a possibilidade de unificação de duas ou mais comarcas, para atender "aos objetivos de otimização dos gastos, aprimoramento da gestão e incremento de produtividade de juízes".
Na tentativa de reverter essa situação, e pressionados por prefeitos e pela população, deputados estaduais passaram a atuar de forma mais incisiva no assunto. Nos bastidores, a movimentação foi vista como articulação de olho nas eleições de 2022, já que muitos parlamentares possuem bases eleitorais no interior, em cidades que vão ser afetadas pela extinção de fóruns.
No dia 12 de maio, o deputado estadual Theodorico Ferraço (DEM) apresentou um projeto de decreto legislativo suspendendo as resoluções do Tribunal de Justiça.
A proposta foi protocolada no Legislativo dias depois de o Conselho Nacional de Justiça retomar o julgamento das comarcas e acompanhou uma série de manifestações de outros parlamentares, que passaram a agir contra a extinção de fóruns apenas neste ano.
A medida foi votada em plenário na última segunda-feira (24) e foi aprovada. Em uma sessão conturbada, o voto do relator do projeto da Comissão de Constituição e Justiça, deputado Marcelo Santos (Podemos), deixou os colegas confusos.
Marcelo afirmou que o decreto era inconstitucional, já que a lei não prevê que o Legislativo possa suspender uma decisão do Judiciário por iniciativa própria. Apesar disso, o parlamentar deu parecer pela constitucionalidade, alegando ser uma decisão política.
Membros da Comissão de Justiça chegaram a pedir um parecer da Procuradoria-Geral da Casa para saber se o voto de Marcelo era válido, já que apresentava contradições. A solução encontrada foi não anexar o relatório apresentado pelo relator e considerar apenas o parecer oral. Assim, o projeto tramitou e pôde ser aprovado.
O deputado Bruno Lamas (PSB) foi o único a votar contra. Na ocasião, ele alertou sobre a inconstitucionalidade do decreto e disse que seria derrubado na Justiça.
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