Embora tenha dominado o debate público e político nos últimos dias, a Proposta de Emenda à Constituição 03/2022, popularmente chamada de PEC das Praias, não entrou na pauta da maioria da bancada federal do Espírito Santo. Dos 13 deputados federais e senadores capixabas, apenas quatro se manifestaram sobre a iniciativa, que prevê a transferência de propriedade dos terrenos de marinha da União para Estados, municípios e entes privados.
A PEC está tramitando no Senado Federal e, recentemente, foi iniciado um debate sobre a possibilidade de o texto autorizar a privatização das praias, caso a proposta seja aprovada. Entre especialistas, há argumentos contra e a favor dessa ideia.
O senador Fabiano Contarato (PT) ressalta que é contrário às taxas de terreno de marinha (foro, ocupação e laudêmio), mas a PEC, em sua avaliação, vai além do fim da cobrança.
"Se quisessem isentar, o que eu acho correto, a PEC deveria simplesmente isentar dessas três taxas. Mas não é isso o que está efetivamente sendo proposto."
Contarato pontua que, apesar de a PEC não estar privatizando de fato as praias, a proposta abre caminhos para a privatização dos acessos, como, segundo ele, já acontece em alguns lugares, com a instalação de resorts e condomínios à beira-mar. "A partir do momento que é feita a transferência de propriedade, a área fica mais suscetível ao lobby e à especulação imobiliária", opina.
Para o senador capixaba, a transferência de propriedade também fragiliza a fiscalização das áreas, o que pode resultar em impacto ambiental, sem contar que, sob domínio federal, há mais garantias para a preservação da soberania e segurança nacionais.
Também procurado para comentar a PEC, o senador Marcos do Val (Podemos) disse que não vai falar sobre o assunto porque precisa estudá-lo melhor. Já Magno Malta (PL) está de licença médica e, segundo a assessoria, não seria possível o contato para tratar do tema.
A PEC já passou pela Câmara Federal, mas, se houver modificações do texto no Senado, terá que voltar à Casa. E, diante da polêmica relacionada aos eventuais riscos com a transferência de propriedade dos terrenos de marinha, os deputados federais do Espírito Santo foram procurados pela reportagem de A Gazeta, na quinta (6) e sexta-feiras (7), para fazer uma análise da situação. Apenas três falaram do assunto.
Primeiro é importante lembrar que, quando a PEC foi aprovada na Câmara em 2022, por unanimidade dos parlamentares capixabas, era outra legislatura. Apenas quatro daqueles deputados se reelegeram e exercem novo mandato. Entre eles, estava Helder Salomão (PT), que, conforme afirma, é contra todo o tipo de privatização de bens de interesse público, incluindo as praias.
O deputado petista explica que, quando a proposta chegou à Câmara, tratava-se do fim da taxa de marinha, motivo do seu voto favorável. No entanto, no decorrer das discussões, foram incluídos outros elementos — os chamados "jabutis" — e, mesmo com a apresentação de destaques pelas bancadas do PT e do PSOL, inclusive para ampliar os debates, Helder disse que foram vencidos.
"Eu continuo me posicionando contra o laudêmio e as taxas de terreno de marinha, mas vamos nos mobilizar para que a PEC não seja aprovada como está. A estratégia é ampliar a mobilização, denunciar essa tentativa de privatização do bem público. As praias brasileiras não podem ser motivo de especulação imobiliária", sustenta.
Helder defende um debate profundo sobre laudêmio, aforamento e regulamentação fundiária, mas sem que, para tanto, se caminhe na direção da especulação imobiliária, ampliando as restrições de acesso da população às praias.
Também reeleito, o deputado Da Vitória (PP) tem um entendimento bastante diferente. Para ele, não procedem as alegações de que a proposta em tramitação no Senado possa limitar a circulação de pessoas nas praias.
“A PEC não impede o acesso à praia. Isso é uma narrativa que não é a verdade. A proposta apenas corrige um fato absurdo que ocorre em cidades como é o caso de Vitória, onde os moradores possuem imóvel e pagam uma taxa, referente ao terreno de marinha, em uma área que já é habitada ou ocupada. E, quando vendem, precisam pagar mais taxas. Tanto é assim que a PEC na Câmara foi votada por 400 deputados", frisou, em nota.
O deputado Amaro Neto (Republicanos) também votou a favor da proposta, quando passou pela Câmara. Mas ele disse que, sobre o status atual, prefere não se manifestar porque, se houver mudanças no texto do Senado, um posicionamento agora poderia ser modificado mais adiante. O parlamentar afirmou, no entanto, que tem projeto de sua autoria, de 2019, pelo fim das taxas de terreno de marinha, uma cobrança que, conforme lembrou, já bateu a sua porta quando morava na Enseada do Suá, em Vitória, antes de se eleger.
Outro parlamentar que votou pela aprovação da proposta foi Evair de Melo (PP). Mas, procurado por A Gazeta, não se manifestou sobre o assunto. Os novatos Victor Linhalis (Podemos), Gilson Daniel (Podemos), Gilvan da Federal (PL) e Jack Rocha (PT) também não deram retorno depois de dois dias de tentativas de contato. Já Messias Donato (Republicanos), segundo a assessoria, não vai falar sobre o tema por ora, e Paulo Foletto (PSB) está de licença médica.
Popularmente chamada de PEC das Praias, a proposta não trata exatamente de limitar o acesso à costa marítima, mas alguns setores avaliam que abre caminhos para restringir a circulação das pessoas em áreas litorâneas, se passarem a ser controladas por investidores particulares.
A PEC trata de terrenos de marinha, áreas da União que ocupam uma faixa de 33 metros ao longo da costa marítima e das margens de rios e lagos que sofrem a influência das marés. Elas foram medidas a partir da posição da maré cheia do ano de 1831. Portanto, até áreas de aterro – hoje mais distantes do mar – também podem ser consideradas terrenos de marinha e são ocupadas por imóveis públicos e privados.
Atualmente, há dois regimes que disciplinam esses terrenos: por aforamento, pelo qual entes que ocupam a área (foreiros) detêm 83% e a União, 17%; e por ocupação, em que 100% da área é de domínio federal.
Para os foreiros e os ocupantes, há uma cobrança anual, como uma espécie de aluguel, sobre o valor da "terra nua" (sem benfeitorias) do percentual que cabe à União. No aforamento, a taxa de marinha é de 0,6% sobre a propriedade federal, enquanto, no outro regime, são 2% pela ocupação do terreno. Há, ainda, uma cobrança de 5% (laudêmio) em casos de transferência.
Do que está descrito no texto da PEC, o ponto que causa divergências é a previsão de transferência de propriedade dos terrenos da União, que ficaria apenas com o domínio das áreas em que estão instalados serviços públicos federais, inclusive os destinados à utilização por concessionárias, as unidades ambientais e as terras ainda não ocupadas. Nesses casos, o acesso a esses terrenos continua público.
Pela proposta, Estados, municípios e iniciativa privada (empresas e pessoas) passariam a ter direito à propriedade do que ocupam atualmente. A transferência das áreas será gratuita no caso das ocupadas por habitação de interesse social e por entes públicos, e onerosa nos demais casos.
Além disso, os moradores também ficariam livres da cobrança de foro, taxa de ocupação e laudêmio.
O texto não fala em privatização. Mas, segundo especialistas, ao permitir a transferência dos terrenos para outros entes, a legislação que prevê a proteção da costa fica fragilizada.
A Secretaria do Patrimônio da União (SPU), órgão federal ao qual cabe a gestão dos terrenos de marinha, destaca, em nota que, embora a PEC não privatize as praias, a forma como está formulada pode dificultar o acesso público. "Especificamente, ao retirar o domínio sobre a faixa de segurança, que compreende os primeiros 30 metros a partir do fim da praia, abre-se a possibilidade de ocupação sem as restrições atuais. Isso poderia limitar o acesso das pessoas às praias", ressalta.
No Espírito Santo, há cerca de 50 mil imóveis em terrenos de marinha, que representam aproximadamente R$ 40 milhões em arrecadação anual com taxas. Em todos os municípios litorâneos há áreas da União, com maior concentração em Vitória.
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