Se você por acaso vir nas ruas do Espírito Santo um Toyota Corolla de cor preta ou grafite escuro, pode ser que esteja diante de um veículo a serviço de um deputado estadual. Confirmar esse fato, porém, não é tão simples. Isso porque a Assembleia Legislativa do Espírito Santo (Ales) não coloca nenhuma identificação no carro utilizado pelos parlamentares.
A Casa diz que os carros não são identificados para preservar a segurança dos parlamentares. Porém, sem saber que se trata de um veículo oficial, fica praticamente impossível para o cidadão fiscalizar e denunciar caso aquele bem, financiado com dinheiro público, esteja em um local ou situação inapropriada.
Para a ONG Transparência Capixaba, não é possível usar o argumento da insegurança para justificar a falta de transparência em relação ao uso do carro oficial.
“Carros oficiais devem ser identificados. Isso não é um favor para a sociedade. É uma obrigação dos deputados pelo uso de um bem que é público. O deputado que não quer usar o carro identificado porque está com medo, que use seu próprio carro, pague a gasolina com o próprio dinheiro”, diz o presidente da entidade, Rodrigo Rossoni.
Nem sempre foi assim. Até 2015, os carros oficiais da Assembleia tinham placas pretas, com numeração diferente das placas dos carros “normais”. Porém, naquele ano, o então deputado estadual Sérgio Majeski foi parado pela Polícia Rodoviária Federal (PRF) em uma agenda no lado mineiro do Parque do Caparaó. Como não havia correspondência entre a placa preta e a placa original do veículo, a PRF de Minas constatou que havia uma irregularidade e apreendeu o carro do deputado.
Desde então, as placas pretas foram abolidas. Em nota enviada na segunda-feira (9), a Assembleia disse que em 2015 pediu ao Detran do Espírito Santo uma solução para a questão, mas não recebeu retorno.
O Legislativo Capixaba não tem carros próprios. O serviço é terceirizado, prestado por locadoras de veículos que, muitas vezes, têm a frota inteira emplacada em Minas Gerais. Atualmente, quem presta o serviço é a Localiza, que fornece 31 veículos por 30 meses em um contrato de quase R$ 4 milhões.
Além do preço do aluguel dos carros, os parlamentares também abastecem os veículos com a cota parlamentar, fornecida pela Assembleia.
Diante do impasse em relação às placas pratas, em 2018, Majeski e a Transparência Capixaba acionaram o Tribunal de Contas do Espírito Santo pedindo que fosse assegurada a transparência do uso dos carros oficiais.
O órgão determinou que a Assembleia adesivasse os veículos com “letras de tamanho razoável”. Na ocasião, a Casa atendeu ao pedido e colocou adesivos de identificação.
Porém, pouco tempo depois, em 2020, a Corte de Contas voltou a ser acionada porque muitos carros já não estavam mais adesivados. Dessa vez, foi proferida uma recomendação e não uma determinação para que, “na medida do possível”, o presidente da Assembleia, na ocasião o deputado Erick Musso, identificasse os veículos usados pelos parlamentares.
A recomendação do TCES tinha como base uma lei aprovada em 2020, de autoria do deputado Enivaldo dos Anjos, que tornou obrigatória a identificação de todos os veículos a serviço dos poderes e órgãos públicos do Estado. Ou seja, a regra valia não só para os deputados, mas também para os carros usados por secretários de Estado, desembargadores, conselheiros do Tribunal de Contas, etc.
O governador Renato Casagrande vetou. O projeto voltou à Assembleia e o veto foi derrubado. Porém, a lei acabou sendo barrada pela Justiça. O argumento é que a lei violava a autonomia administrativa. Isso significa que um dos poderes (o Legislativo, nesse caso) não pode fazer exigências aos outros.
O outro argumento é o de que a lei usurpa a competência da União em relação a criação e mudança de leis e normas de trânsito.
A Gazeta perguntou à Assembleia por que os veículos hoje não são identificados, nem com placas diferenciadas e nem com adesivos. Em nota, a Casa disse que “as placas pretas não existem mais por conta de implementação das novas placas padrão Mercosul. A Assembleia Já entrou em contato com o Detran e Denatran solicitando uma uniformização de procedimento para padronização das placas (Algorítimo) e até hoje não obteve resposta.”
Foi questionado ao legislativo estadual qual exatamente é o problema em relação à placa de padrão Mercosul e o que queria dizer o "algoritmo" citado na nota, mas não houve resposta.
Em relação à criação de novas normas determinando a identificação, a Assembleia respondeu que não pode fazer isso. Citou como justificativa a lei de 2020, mencionada acima. Disse ainda que “para a garantir a segurança e integridade dos parlamentares, a Diretoria de Segurança Legislativa, orientou pela não identificação dos veículos oficiais”.
O Departamento Estadual de Trânsito do Espírito Santo (Detran) informou que, em 2015, após solicitação da Ales, publicou no Diário Oficial do Estado Instrução de Serviço 007/2015, que regulamentou as placas. Já em 2018, após novo pedido da Assembleia, publicou a Instrução de Serviço (IS-N nº 151/2018), que regulamentou o registro de 30 placas de representação que eram utilizadas em veículos a serviço daquela Casa de Leis à época. As placas de representação foram associadas às placas originais dos veículos e poderiam ser utilizadas enquanto esses veículos estivessem à disposição do órgão.
"O artigo 27 da Resolução 969/2022, do Conselho Nacional de Trânsito (Contran), prevê que as placas de representação poderão ser utilizadas para os veículos oficiais dos Vice-Governadores e dos Vice-Prefeitos, assim como para os dos Ministros dos Tribunais Federais, dos Senadores e dos Deputados, mediante solicitação dos Presidentes de suas respectivas instituições", destaca a nota.
O órgão de trânsito, no entanto, destacou que os Detrans só conseguem realizar serviços em veículos registrados no seu Estado correspondente. "Tal situação foi respondida em ofício enviado ao presidente da Ales em julho de 2020, conforme Processo 2020-R8SD2".
"As placas de representação são registradas diretamente junto ao Registro Nacional de Veículos Automotores (Renavam), que é o sistema federal de registro de todos os veículos do país, e, portanto, é de competência exclusiva do órgão executivo de trânsito que detenha o prontuário do veículo, sendo inviabilizado sistematicamente que outros Detrans realizem a vinculação da placa de representação se o veículo for emplacado em outra unidade federativa, que é o caso da frota atual da Ales, que é de Minas Gerais".
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