Em mais uma tentativa de pressionar o Tribunal de Justiça do Espírito Santo (TJES) a voltar atrás na decisão de integrar 27 comarcas no Estado, prefeitos, vereadores, deputados estaduais e representantes da Ordem dos Advogados do Brasil-Seccional Espírito Santo (OAB-ES) reuniram-se no plenário da Assembleia Legislativa nesta segunda-feira (17).
No evento, transmitido pelas redes sociais, os parlamentares se manifestaram contra a extinção de fóruns, defenderam o acesso à cidadania e mais diálogo com o Judiciário. Mais de 100 pessoas participaram da reunião. Apesar de todos usarem máscaras, era possível ver aglomeração no local.
A manifestação acontece um dia antes do julgamento da integração das comarcas ser retomado no Conselho Nacional de Justiça (CNJ). A sessão foi interrompida no dia 4 de maio após três conselheiros pedirem vistas do procedimento, o que significa mais tempo para analisar o assunto.
Até o momento, há um voto a favor da medida adotada pelo Judiciário capixaba, que é o da conselheira relatora Ivana Farina. Ela foi responsável por dar uma decisão liminar (provisória) no ano passado, que suspendeu a extinção dos fóruns.
A integração de 27 comarcas foi decidida à unanimidade pelos desembargadores do TJES em maio do ano passado. A decisão segue uma recomendação do CNJ e visa a reduzir gastos no Judiciário.
A medida foi criticada por diversos setores da sociedade civil, entre eles a OAB-ES, que entrou com uma ação para suspender a decisão do TJES. A Ordem alegou que a decisão foi tomada em uma sessão secreta — que não foi transmitida nas redes sociais, como de costume — e questionou os estudos que a embasaram.
Em junho de 2020, a conselheira Ivana Farina deferiu uma liminar, suspendendo a integração de comarcas. A decisão foi confirmada no plenário do CNJ.
Na época, alguns parlamentares capixabas se posicionaram a favor da manutenção dos fóruns nas cidades. A maioria das manifestações, no entanto, foram feitas no último mês, quando o julgamento do mérito da matéria, que é a análise de conteúdo, foi pautado no CNJ.
No evento realizado nesta segunda-feira, representantes das 27 cidades que vão ter fóruns extintos se manifestaram, entre eles prefeitos, vereadores e membros da OAB-ES.
Na tribuna, o ex-vereador de Vitória Mazinho dos Anjos (PSD), que representou a OAB-ES, afirmou que a economia que vai ser feita pelo Judiciário com a integração de comarcas é “ínfima” e pediu união entre o Legislativo, os prefeitos e vereadores, e a OAB.
“Não podemos deixar que o cidadão percorra 130 km para ter acesso ao Judiciário. Isso vai beneficiar única e exclusivamente a criminalidade. Imagina uma cidade sem fórum, onde o cidadão não tem acesso à Justiça, onde o processo é de papel, aumentando o custo para o cidadão, que vai ter que andar de uma cidade para a outra.”
A presidente do Sindicato dos Servidores do Poder Judiciário do Espírito Santo (Sindijudiciários), Maria Clélia Almeida, também demonstrou insatisfação com a medida e disse que não era a melhor forma de levar serviço ao cidadão. Ela fez um apelo para que o TJES revisse a decisão.
“Sabemos que o Judiciário tem, sim, dificuldades orçamentárias, mas não vai ser tirando serviço das pessoas que vamos resolver esse problema. Peço à Assembleia que nos ajude a entrar em contato com o presidente do TJES. Isso só vai ser suspenso se tiver uma decisão voluntária do presidente”, afirmou.
Prefeitos e vereadores também se manifestaram, entre eles o prefeito de Ibatiba e vice-presidente da Associação dos Municípios do Espírito Santo (Amunes), Luciano Pingo (Republicanos).
“Se as comarcas fecharem, vamos ter que garantir o transporte do morador até outro município para que ele tenha o acesso à Justiça. Pedimos para quem pode tomar essa decisão, que ouça o gemido das pessoas e que as comarcas permaneçam atendendo à população”, declarou.
A palavra foi dada a cada um dos deputados estaduais, que usaram a tribuna para criticar a medida do Judiciário, pregar união e também atacar o governador Renato Casagrande (PSB), que se mantém neutro no assunto.
O presidente da Assembleia, Erick Musso (Republicanos), saiu em defesa da manutenção dos fóruns nas 27 cidades, e disse que os cortes no Judiciário podem ser feitos de outras formas. Erick questionou a decisão do TJES.
“Faço um apelo ao Tribunal de Justiça, que possam rever essa decisão. Não foi uma imposição do CNJ, foi uma recomendação”, referindo-se à nota recomendatória do CNJ que, após inspeção no Judiciário capixaba, em 2019, identificou a necessidade de integração de algumas comarcas.
“Os deputados cortaram na carne reduzindo a cota de gabinete”, alfinetou Erick. “Uniremos nossos esforços para o não fechamento de comarcas.”
Deputados da base do governo também se manifestaram contra a medida, como foi o caso de Freitas (PSB). O parlamentar questionou o impacto da integração para o orçamento do TJES e disse que cortes poderiam ser feitos, mas sem interferir na vida da população.
A mesma postura teve o deputado Dary Pagung (PSB), líder de Casagrande na Casa. Ele saiu em defesa dos municípios e também de Casagrande. “O Executivo não tem nada a ver com o que está acontecendo. O problema tem que ser resolvido entre Legislativo e Judiciário”, afirmou.
A manifestação de muitos agentes políticos é criticada nos bastidores e vista como eleitoreira. Isso porque a medida do Judiciário prejudica as cidades do interior e, consequentemente, as bases eleitorais de deputados.
Essa preocupação política pode ser observada no evento realizado na Assembleia. Mesmo apresentando problemas que podem surgir com a integração, houve quem lembrasse que o “interior é importante para um deputado” e que seria difícil encarar a população nas eleições do ano que vem.
A integração de comarcas só pode ser adotada pela Corte graças à Assembleia Legislativa que, em agosto de 2014, aprovou um Projeto de Lei Complementar apresentado pelo então presidente do Tribunal de Justiça, o desembargador Sergio Bizotto, para reestruturar o Poder Judiciário.
O projeto previa a possibilidade de unificação de duas ou mais comarcas, para atender “aos objetivos de otimização dos gastos, aprimoramento da gestão e incremento de produtividade de juízes”.
Na tentativa de reverter essa situação, o deputado estadual Theodorico Ferraço (DEM) apresentou na última semana um Projeto de Decreto de Lei suspendendo as resoluções do Tribunal de Justiça.
A proposta foi defendida pelos parlamentares durante o evento nesta segunda-feira, e o presidente Erick Musso disse que não vai medir esforços para aprová-la. A medida, contudo, é inconstitucional, segundo especialistas da área de Direito. Ou seja, não tem validade.
O professor e doutorando em Direito Dalton Morais explica que apenas o Judiciário pode apresentar um projeto de lei alterando as medidas de organização administrativa judiciária. Cabe ao Legislativo aprovar ou não.
“Tudo que se trata de organização do Judiciário é feito por lei, e o projeto só pode ser encaminhado pelo presidente do Tribunal de Justiça para ser votado na Assembleia. A Constituição exige isso. Não pode agora nenhum deputado apresentar uma proposta para revogar esse dispositivo. No meu entendimento, esse projeto da Assembleia é inconstitucional”, avalia.
Segundo Dalton, a partir do momento em que a Assembleia aprovou o projeto de Lei Complementar do TJES em 2014, o controle das decisões feitas pelo Judiciário, com base na resolução, dizem respeito ao CNJ. Assim, a única alternativa para reverter a integração seria por meio do próprio Judiciário.
O julgamento no CNJ vai ser retomado nesta terça-feira (18). A conselheira Ivana Farina, que é a relatora do procedimento, já votou pela manutenção da integração de comarcas.
No voto, ela registrou que, após ter acesso aos estudos do TJ e analisar a legislação estadual, foi observado que a Corte cumpriu o que está na lei e não havia irregularidades na decisão. Três conselheiros que haviam pedido vista também devem declarar o voto.
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