O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) decidiu, por 14 votos a 1, absolver uma juíza do Tribunal de Justiça do Espírito Santo (TJES) por suposta prática de assédio moral. Entre as irregularidades atribuídas à magistrada estava a implantação, em 2021, de escuta clandestina na unidade judiciária em que atua, para, conforme denúncia, ouvir conversas dos servidores e controlar o fluxo de trabalho dos mesmos.
A absolvição da juíza Inácia Nogueira de Palma, da 1ª Vara de Família, Órfãos e Sucessões de Guarapari, na Região Metropolitana da Grande Vitória, ocorre após o relator do pedido de revisão disciplinar impetrado pelo Sindicato dos Servidores do Poder Judiciário do Espírito Santo (Sindijudiciário), conselheiro Caputo Bastos, ter mudado seu voto em plenário pela segunda vez, julgando a ação improcedente.
Na sessão presencial do plenário do CNJ do último dia 11, o conselheiro havia votado para julgar parcialmente procedente o pedido do Sindijudiciário de desarquivamento da denúncia contra Inácia Nogueira de Palma. Na ocasião, ele frisou que seu voto descartava outras 11 irregularidades atribuídas à magistrada, mantendo como falta grave somente a gravação clandestina das conversas dos servidores.
Anteriormente, em sessão virtual, o conselheiro tinha adotado outro posicionamento, optando pelo não acolhimento do pedido de revisão disciplinar contra a magistrada.
"Devo fazer uma observação porque o voto acabou sendo alterado apenas no que diz respeito ao tema da escuta ambiental. É que, revendo e ouvindo os colegas, acabei efetivamente me convencendo de que há, aqui, uma prática de atividade que mereceria uma análise mais percuciente (profunda) por conta deste conselho. Estou sugerindo que seja encaminhado à Corregedoria Nacional de Justiça, para que avalie a possibilidade de propositura de Termo de Ajustamento de Conduta (TAC)", frisou o conselheiro em seu voto, na sessão plenária do dia último dia 11.
Quando votou pela parcial procedência da ação movida pelo Sindijuciário, no dia 11, Caputo Bastos foi acompanhado em seu entendimento pelos conselheiros Guilherme Feliciano e Ulisses Rabaneda. Depois, o conselheiro João Paulo Schoucair pediu vista aos autos.
Já ao fundamentar seu novo entendimento na sessão plenária desta terça-feira (25), o relator afirmou que era necessário "fazer justiça" e que melhor análise dos autos apontava para o fato de a juíza ter agido para se defender no ambiente hostil em que se encontrava, tendo em vista a relação conturbada com os servidores da vara em que atua.
"Este é o caso em que houve algumas imputações à magistrada. A mais relevante, no mérito, é a questão de uma gravação ambiental, em que a juíza colocou um telefone celular para fazer uma gravação no cartório da vara. Essa gravação tem duração de 8 minutos (...) Sente-se, com muita facilidade, durante a leitura dos autos, um problema de relacionamento entre a juíza do caso e os servidores, o que gerou, talvez até em uma posição de autodefesa, a necessidade de fazer essa gravação. Estou retornando a meu voto original, no sentido de entender justificável (a conduta a juíza)", asseverou Caputo Bastos, ao declarar novo voto na sessão desta terça (26).
O voto divergente no julgamento que absolveu a juíza capixaba foi registrado pelo conselheiro Guilherme Feliciano. Ele considerou que a improcedência da ação pode abrir precedentes para que gravações clandestinas sejam feitas no âmbito do Poder Judiciário, no se refere à relação de trabalho entre magistrados e servidores.
"Meu medo é que escutas ambientais envolvendo magistrados e servidores possam ser admitidas. A minha preocupação é sinalizar isso com alguma clareza", destacou o conselheiro que votou contra absolvição da juíza.
O advogado Ludgero Liberato, que defende a Associação de Magistrados do Espírito Santo (Amages) e que representou a juíza no processo apreciado pelo CNJ, destacou que “o Poder Judiciário está passando por um profundo processo de transformação, com exigências maiores de produtividade e de qualidade nos serviços prestados à população”. Veja a nota na íntegra:
“O Judiciário está passando por um profundo processo de transformação, com exigências maiores de produtividade e de qualidade nos serviços prestados à população. Juízes têm sido cada vez mais cobrados por resultados e têm o dever de exigir maior produtividade daqueles que são subordinados a eles. Esse processo, entretanto, nem sempre é pacífico. Foi o que aconteceu no caso concreto. O CNJ, por 14 votos a 1, entendeu que o Tribunal de Justiça do Espírito Santo agiu corretamente ao não processar uma magistrada que foi alvo de um verdadeiro motim, por exigir maior qualidade e maior produtividade dos servidores públicos. Assim, entendeu que a juíza não praticou qualquer ilegalidade ao realizar uma gravação com o propósito de se resguardar, sobretudo porque a gravação comprovou que uma servidora chegou a expulsar a juíza de uma das salas do fórum".
A reportagem tenta contato com a defesa do Sindijudiciário.
A ação de revisão disciplinar apreciada pelo plenário do CNJ era de autoria do Sindijudiciário-ES. Nos autos, o sindicato afirmava que o Tribunal Pleno do TJES decidiu, em novembro de 2022, por arquivar reclamação disciplinar contra a magistrada, apresentada na Justiça estadual em junho do mesmo ano. Na denúncia, cuja tramitação ocorreu em segredo de Justiça, era relatada suposta prática de assédio moral por parte da juíza.
A reclamação disciplinar arquivada pelo TJES trazia informações de que Inácia Nogueira de Paula, além de supostamente gravar clandestinamente as conversas que ocorriam durante sua ausência – e algumas vezes até em sua presença –, também se comportava de maneira a retirar a autonomia dos servidores da vara, não transmitindo a eles informações úteis para a realização das atividades determinadas por ela mesma e tecendo críticas exageradas ao trabalho dos funcionários.
A própria juíza teria admitido, à época da apuração do caso pela Corregedoria de Justiça do Espírito Santo, o uso do aparelho celular para gravar a conversa entre servidores, sob o pretexto de se defender de possíveis acusações infundadas contra ela.
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