Conhecido por ser um país de perfil mais conservador em termos de direitos civis, o Chile pode se juntar nesta segunda-feira (6) ao grupo de nações que permitem o casamento igualitário. O projeto de lei que trata do tema está programado para ser discutido e votado no Senado.
No último dia 23, ativistas celebraram intensamente em frente ao Congresso a aprovação do texto na Câmara dos Deputados - onde recebeu 101 votos a favor, 30 contra e 2 abstenções. A sessão no Senado começa às 10h, com um debate do texto em uma comissão; não há previsão do horário de votação no plenário.
O país, que foi um dos últimos do mundo a aprovar o divórcio, em 2004, até aqui só reconhece a união entre pessoas do mesmo sexo pelo Acordo de União Civil. O mecanismo, porém, é considerado limitado com relação a questões sucessórias e de pensões e não prevê o direito de os casais terem filhos.
Caso a lei seja de fato aprovada, o Chile se tornará a oitava nação da América Latina em que o casamento igualitário é reconhecido e garantido pela Justiça, depois de Argentina, Colômbia, Costa Rica, Equador, México (em alguns estados), Uruguai e Brasil - onde a união civil homoafetiva foi declarada legal pelo Supremo Tribunal Federal em 2011 e permitida por resolução do Conselho Nacional de Justiça dois anos depois.
O texto em discussão no Chile, quando entrar em vigor, também permitirá a adoção de crianças por casais homossexuais. Foram derrubados do projeto original, porém, artigos que permitiam que a adoção fosse realizada por uniões de mais de duas pessoas e que legalizavam as chamadas barrigas de aluguel.
O debate no Senado se dá a duas semanas do segundo turno das eleições presidenciais, programado para o próximo dia 19 de dezembro. Disputam a Presidência do Chile o esquerdista Gabriel Boric e o ultradireitista José Antonio Kast. Segundo a pesquisa mais recente do instituto Cadem, divulgada neste fim de semana, Boric lidera as preferências do eleitorado, com 40% das intenções de voto contra 35% de Kast. Há, porém, segundo o levantamento, 25% de indecisos.
O esquerdista é a favor da mudança na legislação e votou por sua aprovação no Parlamento (ele é deputado). No último debate antes do primeiro turno, afirmou que a posição antidireitos civis do rival era discriminatória.
O oponente pinochetista, que mais de uma vez citou a existência de um suposto "lobby gay" nos meios de comunicação que buscaria "influenciar as pessoas", se posiciona contrário à nova legislação. Em seu programa de governo, Kast afirma que, no cargo, impedirá que "se doutrine as crianças por força" e defenderá "o direito que toda criança tem de ter um pai e uma mãe".
Na campanha eleitoral, ele vinha dizendo que, se fosse eleito, eliminaria o Ministério da Mulher e enviaria ao Congresso um projeto de lei para que o aborto voltasse a ser totalmente proibido - hoje o Chile permite a prática em casos de estupro, inviabilidade do feto e risco de morte da mãe. Depois do primeiro turno, porém, o candidato moderou seu programa sob pressão da direita tradicional.
O centro-direitista Sebastián Sichel, candidato do atual presidente, Sebastián Piñera, e que ficou em quarto lugar, afirmou que só ofereceria apoio a Kast caso este assumisse o compromisso de "não tentar revogar nem retroceder" em avanços ligados a direitos civis, como os casos de aborto legal e união civil. O pinochetista aceitou as demandas e anunciou que não eliminará a pasta voltada às mulheres.
Os debates na Câmara, no final do mês passado, deram uma amostra da polarização envolvendo o tema. A deputada de direita Ximena Ossandón, que votou contra a proposta, afirmou: "Não é a mesma coisa uma relação entre dois homens do que uma relação heterossexual, ainda que a lei permita. A própria natureza coloca barreiras". Já Diego Ibáñez, da Frente Ampla, comemorou a aprovação do texto. "Diante dos discursos de violência e ódio, é preciso responder com amor", afirmou.
Em julho, o Senado chileno já havia debatido e aprovado o texto, com 28 votos a favor (de um total de 43 parlamentares) e aplausos ao final da sessão. Como os deputados fizeram alterações no texto, porém, ele precisou ser analisado de novo.
O projeto de lei havia sido apresentado originalmente em 2017, pela então presidente de centro-esquerda Michelle Bachelet. Ele, porém, permaneceu parado no Congresso até que, em junho deste ano, Piñera anunciou que apoiaria a iniciativa - seu mandato terminará em março de 2022.
Tanto a ex-mandatária quanto o atual haviam colocado obstáculos à aprovação da lei no passado.
Bachelet, em seu primeiro mandato (2006-2010) se opôs a impulsionar a legalização do casamento gay por causa da participação, na aliança da Concertação, que ela representava, do Partido Democrata Cristão. Piñera, em seus dois governos, também afirmou ser contra a mudança, embora tenha flexibilizado sua posição com o tempo.
A mudança do humor político em favor da união civil igualitária começou a se intensificar em março de 2012, quando Daniel Zamudio, um jovem de 24 anos, foi espancado, queimado com cigarros, marcado com suásticas e assassinado em um parque em Santiago. Os quatro rapazes que o assassinaram foram presos, um deles sendo condenado à prisão perpétua e os demais a 15 anos de cadeia.
Segundo pesquisa realizada pelo Movimento de Integração e Liberação Homossexual, 82% dos casais gays chilenos têm a intenção de casar-se, caso a lei seja aprovada. O mesmo levantamento aponta que 91% consideram que o país está atrasado nesse tema.
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