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Relator vota para CNJ investigar juíza do ES por suspeita de escuta clandestina

Relator vota para CNJ investigar juíza do ES por suspeita de escuta clandestina

Processo que apurava suposto assédio moral por parte da magistrada foi arquivado pelo Tribunal de Justiça do Espírito Santo (TJES) em 2022

Publicado em 12 de março de 2025 às 18:14

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CNJ
Sede do CNJ: pedido de revisão disciplinar foi apreciado em plenário. (Reprodução)

Uma juíza do Tribunal de Justiça do Espírito Santo (TJES) poderá ser investigada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) por suspeita de implantação, em 2021, de escuta clandestina na unidade judiciária em que atua, para, conforme denúncia, ouvir conversas dos servidores e controlar o fluxo de trabalho dos mesmos.

O possível procedimento investigatório contra a juíza Inácia Nogueira de Palma, da 1ª Vara de Família, Orfãos e Sucessões de Guarapari, na Região Metropolitana da Grande Vitória, tem a ver com pedido de revisão disciplinar ajuizado pelo Sindicato dos Servidores Públicos do Poder Judiciário do Espírito Santo (Sindijudiciário-ES) junto ao CNJ. 

Na sessão presencial do Conselho de terça-feira (11), o relator dos autos, conselheiro Caputo Bastos, votou para que a denúncia de que a juíza gravava de maneira ilegal a conversa dos servidores seja apurada pela Corregedoria Nacional de Justiça.

No pedido de revisão disciplinar apreciado pelo plenário do CNJ na terça-feira (11), o Sindijudiciário-ES alegou que o Tribunal Pleno do TJES decidiu, em novembro de 2022, por arquivar reclamação disciplinar contra a magistrada, apresentada na Justiça estadual em junho do mesmo ano. Na denúncia, cuja tramitação ocorreu em segredo de Justiça, era relatada suposta prática de assédio moral por parte da juíza. 

A reclamação disciplinar arquivada pelo TJES trazia informações de que Inácia Nogueira de Paula, além de supostamente gravar clandestinamente as conversas que ocorriam durante sua ausência – e algumas vezes até em sua presença –, também se comportava de maneira a retirar a autonomia dos servidores da vara, não transmitindo a eles informações úteis para a realização das atividades determinadas por ela mesma, e tecendo críticas exageradas ao trabalho dos funcionários.

Ao decidir pelo provimento parcial do pedido impetrado pelo Sindijuciários-ES, que pretendia a anulação total do acórdão do TJES que arquivou a reclamação contra a magistrada ainda na fase inicial, o conselheiro Caputo Bastos asseverou que, do rol de condutas abusivas elencadas na denúncia, o único indício de falta grave cometida pela magistrada era a suposta implantação da escuta clandestina.

A própria juíza teria admitido, à época da apuração do caso pela Corregedoria de Justiça do Espírito Santo, o uso do aparelho celular para gravar a conversa entre servidores, sob o pretexto de se defender de possíveis acusações infundadas contra ela.

Mudança de voto e pedido de vista

Ao entender pela possibilidade de investigação da juíza pelo CNJ, o conselheiro Caputo Bastos afirmou ter mudado seu voto sobre o pedido do Sindijudiciário-ES. Inicialmente, em julgamento virtual, ele havia se posicionado por negar total provimento à revisão disciplinar impetrada pelo sindicato.

Entretanto, em plenário, o conselheiro considerou que, mesmo mantendo, em seu voto, a absolvição da magistrada em 11 imputações atribuídas a ela e citadas na denúncia arquivada pelo TJES, a parte do processo que trata sobre a implantação de escuta irregular merece apreciação mais aprofundada por parte do CNJ.

"Devo fazer uma observação porque o voto acabou sendo alterado apenas no que diz respeito ao tema da escuta ambiental. É que, revendo e ouvindo os colegas, acabei efetivamente me convencendo de que há, aqui, uma prática de atividade que mereceria uma análise mais percuciente (profunda) por conta deste conselho. Estou sugerindo que seja encaminhado à Corregedoria Nacional de Justiça, para que avalie a possibilidade de propositura de Termo de Ajustamento de Conduta (TAC)", frisou o conselheiro em seu voto.

Ao ser questionado pelo presidente do CNJ, ministro Luis Roberto Barroso, sobre a mudança de entendimento, Caputo Bastos detalhou como a magistrada teria agido para fazer a gravações irregulares.

"Com pedido de destaque (por parte de outro conselheiro do CNJ), tive oportunidade de rever os autos, o que foi providencial, e fazer esse ajuste apenas com relação à escuta ambiental. Ela (a juíza) colocou um telefone celular na secretaria (da vara em que atua) para gravar conversas (...) Conversas em que ela participava e, realizando o caso, poderia haver conversas em que ela não participava, e aí estaria o ilícito. Por isso, estou sugerindo que o processo vá à Corregedoria Nacional", concluiu o conselheiro.

Voto referendado pelo MPF

O voto do conselheiro Caputo Bastos foi referendado pelo subprocurador-geral da República José Adonis Callou de Araújo Sá, presente em plenário na sessão do CNJ de terça-feira (11).

Em seu parecer, ele disse ter considerado irrelevantes muitos dos fatos relatados na denúncia arquivada pelo tribunal capixaba, sendo insuficientes para abertura de um Processo Administrativo Disciplinar (PAD), conforme entendeu o TJES em 2022. Mas chamou a atenção para a gravidade, segundo ele, "da instalação de um aparelho de telefone celular para gravar a conversa dos servidores".

"Os autos referem-se a diversos problemas de relacionamento da juíza com os servidores do cartório (vara). Há inspeções realizadas no cartório que indicam situação caracterizadora de estado emocional desfavorável dos servidores, em decorrência desse tratamento supostamente dispensado pela juíza. Muitos desses fatos, considero alguns sem a devida relevância para abertura de Processo Disciplinar Administrativo. Mas tem aqui (no processo) um aspecto, ao qual o relator já se referiu, que considero muito relevante e grave: a instalação de um aparelho celular para a gravar a conversa dos servidores no cartório", frisou o subprocurador.

E acrescentou: "Nós sabemos que há jurisprudências do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e Supremo Tribunal Federal (STF) que admitem a gravação clandestina de conversas quando há participação, na conversa, da pessoa que grava. A jurisprudência julga irregular a conversa gravada clandestinamente por quem não é interlocutor. E me parece, muito claro, que esse é caso. Não há, aqui, a meu ver, indicação de uma situação armada pelos servidores, que justificasse uma gravação ambiental clandestina promovida pela juíza. E esse fato é incontroverso. O relator do processo no Tribunal de Justiça do Espírito Santo foi muito claro na análise desse fato. Ele diz que o fato é incontroverso e o que celular foi identificado como sendo da juíza. Ela mesma reconhece que instalou (...) Então, esse fato merece apuração, como disse o conselheiro, na via disciplinar, pelo Conselho Nacional de Justiça. O arquivamento, pelo Tribunal de Justiça, desconsidera uma conduta que pode ter sido criminosa", concluiu José Adonis Callou de Araújo Sá.

O voto de Caputo Bastos foi acompanhado pelos conselheiros Guilherme Feliciano e Ulisses Rabaneda. Depois, João Paulo Schoucair pediu vista aos autos. A defesa da magistrada foi procurada para comentar o voto do relator ainda na noite de terça-feira (11), mas não retornou os contatos da reportagem até a publicação deste texto.

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